Texto publicado originalmente em SDO-Sonhadorismo a 9 de fevereiro de 2016
Quantos de nós não imaginam quão bom seria mudar de vida, deixar para trás as amarras das convenções sociais e do ritmo diário extenuante, libertar-nos da rotina e viver em pleno, desfrutando da vida com as pessoas que amamos, fazendo o que nos move e realizando os nossos sonhos?
O Sonhadorismo pretende dar um impulso na passagem do sonho para a realidade, um empurrãozinho em direção à realização do ideal de vida, um reforço àqueles que não têm a coragem de arriscar, mas que não estão conformados com a sua vida monótona e pré-estabelecida.
Assim, muita gente está aberta à mensagem. Muita gente sente que é importante apoiar e fomentar a realização do sonho dos filhos, dos parceiros, dos amigos. Que é importante repensar a própria biografia e questionar se é mesmo o caminho ideal que se percorreu e, se não, se haverá mais para além do conhecido. Mais potencial, mais vida, mais aventura, mais realização pessoal…
Geralmente concordamos que sim, que há mais; que é preciso coragem, apoio e empenho para sair do conhecido e caminhar para o novo, alcançar essa vida que faz mais sentido.
Chegados a esta fase, convido-vos hoje a refletir até que ponto realmente estamos dispostos a apoiar o sonho de vida dos que nos são próximos…
Aceitamos quando alguém sai da caixa e inicia projetos novos, destemidos, inovadores?
Apoiamos, quando alguém nos pede ajuda para realizar sonhos inesperados, ideias fantásticas, intenções pouco comuns?
Para exemplificar, aqui vão duas histórias quase reais:
A primeira trata do Zé, 37 anos, casado e com dois filhos. O Zé formou-se em medicina, realizando o “sonho” dos pais (que nestes casos mais não é, do que a elevação do ego dos pais com base na ascensão social do filho); trabalha 45 horas semanais, almoça em família no Sábado, joga golf no domingo com os amigos, viaja para longe nas ferias e tem “a vida feita”.
Porém, o Zé lá no fundo, no fundo, está insatisfeito. Sente um vazio, uma falta de motivação, uma sensação vaga de que a vida lhe está a passar ao lado enquanto ele está afundado em stress e trabalho.
Questiona-se, pensa e repensa, e chega à conclusão que seria muito mais feliz se fosse piloto de avião. Apresenta a ideia à família, aos amigos. Decidido que vai mudar de vida, que vai realizar o seu sonho, pede apoio emocional e financeiro à família e aos amigos.
Estes estão primeiro incrédulos (“Então mas ele estava tão bem na vida?! Vai mudar tudo? É louco!”), depois reticentes (“ Talvez ele até tem jeito para piloto…”) E por fim, decidem apoiar (“Ele está mesmo determinado. Vai ser um bom piloto e EU fui quem o apoiei nessa decisão”)…
O Zé dá então o passo temido, despede-se e faz a formação de piloto. Mais tarde, arranja trabalho como piloto de aviões privados, viaja pelo mundo, vive uma vida completamente diferente da que tinha antes. Ele, a família e os amigos estão orgulhosos: ele “realizou o seu sonho”, “foi corajoso” e conseguiu uma vida ainda mais bem vista aos olhos da sociedade.
Por vezes, o Zé sente um mal-estar que não consegue explicar. Uma falta de motivação, um cansaço e um vazio, como se ainda não estivesse mesmo feliz…Mas rapidamente cala a sua voz interior com o aplauso social de um mundo que vê nele um aventureiro corajoso e bem sucedido…
A segunda história trata da Ana, 35 anos, solteira.
A Ana licenciou-se em direito, realizando mais uma vez o sonho dos pais. Sempre adorou desenhar, mas nunca se pôs a questão de fazer da arte a sua vida. Trabalhou alguns anos como advogada, acumulando dinheiro e bens, qual menina bem educada que segue os conselhos dos pais e nunca se desvia do caminho que eles lhe prepararam.
Porém, a Ana está insatisfeita, depressiva. Farta-se de trabalhar, está sempre cansada e em stress. Os fins-de-semana não chegam para descansar e fazer tudo o que ela gostaria de fazer. Um dia, para grande surpresa da família e dos amigos, a Ana anuncia que se vai despedir e dedicar à arte, mais propriamente ao desenho.
As pessoas estão chocadas! Uma vida tão bem organizada, um trabalho estável, socialmente bem aceite, tudo o que aparentemente é importante- e deixar isso tudo de livre vontade? A Ana explica e defende a sua posição: que quer realizar o seu sonho, quer viver da sua arte, aprofundar o seu potencial, desenvolver o seu talento… Amigos e familiares começam a ceder das suas posições rígidas e pensam: “Realmente a Ana tem jeito para o desenho. Sempre teve. Ela está determinada. Quem sabe, ela ainda virá a ser uma artista famosa? Uma pintora conhecida com exposições em New York e Paris? Uma artista conceituada que expõe em galerias famosas? E EU apoiei essa decisão? EU ajudei a realizar esse sonho? EU fui das pessoas que acreditou nela e a fez avançar?” E familiares e amigos dão-lhe a sua bênção, generosos e convencidos que um dia se poderão pavonear na luz da futura artista.
Mas a Ana, que realmente segue o seu sonho: de abdicar de bens materiais em prol de uma vida mais plena e integra, de poder criar, desenhar; de poder gerir o seu dia, a sua vida…a Ana, torna-se, por opção, uma artista de rua, que desenha e vende caricaturas nas zonas pedonais das cidades.
Ela trabalha apenas o necessário para sobreviver e vive de mochila às costas, de cidade em cidade, conhecendo imensos lugares e pessoas e desfrutando do seu quotidiano, aprofundando o seu talento pelo desenho, satisfazendo a sua curiosidade inata…
Família e amigos não a compreendem, os pais até sentem vergonha. As pessoas da sua vida de advogada afastaram-se, considerando-a uma louca, uma falhada, um “ninguém”. Porém, Ana nunca se arrependeu.
E agora convido-vos a refletir:
Qual dos dois casos apoiariam?
Qual dos “sonhos” vos parecem dignos de ser realizados?
Será que são ambos casos de motivação intrínseca?
Será que ambos os casos conduzem a uma verdadeira mudança interior no sentido da felicidade pessoal?
E como distinguimos entre o nosso verdadeiro desejo, a nossa motivação intrínseca, o nosso objetivo de vida- e as ideias que nos foram incutidas pela sociedade em que crescemos? (É fácil dizer que o nosso sonho é ser cirurgião- o que por “mero acaso” também foi o “sonho” do pai e do avô e garante uma bela posição social e bem-estar material- mas é menos fácil admitir e realizar o sonho de ser carpinteiro ou jardineiro…)
Até que ponto a aceitação do nosso caminho por parte da família e amigos, da sociedade no geral, é necessária para a nossa felicidade pessoal? Porquê?
Teremos mesmo a capacidade de nos conectar connosco e seguir o nosso chamamento, mesmo se isso for completamente contra as convenções sociais?
Estamos dispostos a apoiar incondicionalmente os sonhos dos que nos são próximos, mesmo se estes forem excêntricos e sem previsão de estatuto social?
Julgo que apenas é de verdadeira coragem e mudança, se o sonho ultrapassa a banalidade e o pântano das convenções; se não se limita a uma auto-promoção, à satisfação dum Ego inseguro; se não se fica por mudanças mínimas e insignificantes.
Gostaria que todos nós parássemos um pouco, para descobrir a verdadeira essência dos nosso sonhos…
Texto Escrito pela Colaboradora SDO
Agnes Sedlmayr
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